sábado, 9 de abril de 2011

Escracho Público contra Agressor - Carta de Solidariedade do Coletivo AlíSomosTodas

No 11º ato contra a tarifa em São Paulo, um grupo de meninas segurava uma flecha/placa apontanto para um homem, escrito "MACHISTA AGRESSOR" com uma foto do indivíduo. Esse homem é participante do MPL São Paulo e faz seis meses agrediu verbalmente, ameaçou e destruiu a casa de ex-sua companheira, que também participava do MPL SP naquela altura. A questão foi colocada a público pela garota durante a reunião do MPL e o rapaz disse que admitia o erro e que entraria em acompanhamento médico, o que de fato aconteceu. Porém, mesmo assim - e por razões lógicas, diga-se de passagem - a garota resolveu afastar-se do coletivo. Agora, nesse fim de março, o Coletivo Feminista Autônomo Contra o Aumento, organizou-se acerca dessa questão e realizou uma ação direta contra o agressor: o escracho público.

Muitas opiniões surgiram quanto ao ocorrido no ato. Muitas pessoas e grupos aprovaram a ação e muitos foram contra. Os que são a favor acreditam que essa é uma maneira de auto-defesa e de trazer à público essa questão da violência contra a mulher que também acontece dentro de organizações de esquerda. Os que são contra dizem que foi vingança pessoal, que isso deveria ser resolvido dentro do MPL SP, e que essa atitude somente dissemina a violência, já que ela é violenta da mesma forma.

O que acontece agora, de um modo geral, é que ninguém mais fala da agressão, do sofrimento da mulher, dos traumas que lhe foram impostos, mas sim da ação em si e dos traumas sofridos pelo homem agressor por conta da humilhação pública.

O CAF - Coletivo de Ação Feminista - ainda está discutindo sobre a questão, mas, de ante-mão, podemos dizer que apoiamos a atitude das companheiras.

Abaixo segue a tradução da Carta do coletivo AlíSomosTodas, do México, em solidariedade às meninas do Coletivo Femista Autônomo Contra o Aumento.



CARTA EM SOLIDARIEDADE À “REDE DE COLETIVAS FEMINISTAS AUTÔNOMAS CONTRA O AUMENTO” DE SÃO PAULO, BRASIL¹

Nós, da coletiva feminista autônoma AlíSomosTodas, expressamos nossa irmandade e total apoio à ação feminista de protesto realizada durante um ato do Movimento Passe Livre² na cidade brasileira de São Paulo, na quarta-feira passada (30.03.2011), que denunciou publicamente o agressor machista Rafael Pacchiega, o Xavier, pertencente ao mesmo movimento.

Estendemos a denúncia à postura do CMI (indymedia-brasil) de silenciar a voz das mulheres indignadas e à todas as pessoas que de alguma maneira assumiram uma cumplicidade com o agressor, incluindo aquelas que questionaram o aspecto da denúncia pública da ação, que com a desculpa de proteger o movimento, escondem a justificação de agressões. A cumplicidade pode não ser declarada, mas se expressa, por exemplo, quando se questiona a ação da denúncia e não a do agressor. Nos impressiona muitíssimo que as “julgadas” continuam sendo as que erguem a voz, as que finalmente fizeram algo... que romperam o silêncio.

Não podemos aceitar nenhuma forma de agressão à nossa volta, muito menos da comunidade ou movimento potílicxs, onde depositamos nossas energias e desejos profundos de transformar o mundo destruindo todas as formas articuladas de opressão. O silêncio é a forma mais perversa de aceitação da violência sexista, é o mecanismo que lhe permite continuar reproduzindo o sistema patriarcal impunemente. Impunidade para nós significa ausência de processos de responsabilização, e se acreditamos na autonomia e suspeitamos profundamente que a intervenção do Estado (e do capital) em nossas vidas, nos parece óbvio que temos que inventar maneiras de justiça além do Estado (patriarcal e sexista desde suas raízes, além de racista, classista, especista...). Esconder e silenciar as agressões, portanto, significa proteger o agressor e conservar o sistema reprodutor da violência.

Nossa coletiva nasceu com o assassinato de uma companheira feminista muito querida Alí Cuevas. Seu companheiro, Oswaldo Morgan, lhe deu 26 punhaladas no dia em que ela completaria 24 anos. Nós nomeamos o assassinato como feminicídio para denunciar a lógica patriarcal por trás da morte de Alí e de tantas outras mulheres assassinadas por seus companheiros. Ou ex-companheiros amorosos. Insistimos que o feminicídio e a violência sexista cotidiana são reflexos políticos, nem particulares nem excepcionais, porque é a forma pela qual são punidas as mulheres que de alguma maneira resistem à obediência que lhes espera. À nossas ações de denúncias, também consideraram exageradas, anti-estratégicas e agressivas.

Para nós, a ação direta realizada durante o ato do “Movimento Passe Livre”³ tem uma importância histórica e um significado de justiça feminista que converge com outras ações feministas diretas contra a violência sexista-patriarcal que estão sendo realizadas em todo o mundo. E ainda que nos chamem de “loucas”, “exageradas”, “histéricas”, “anti-estratégicas”, “sectaristas”... e tantos outros nomes para deslegitimar nossas vozes que parecem tirar do foco da reponsabilização do agressor... acreditamos que a denúncia pública e a sinalização dos agressores constitui uma ferramenta indispensável no exercício da justiça autônoma e de autodefesa feminista. Por mais que continuem nos agredindo, vamos continuar denunciando, além de cuidarmos, protegermos e pensarmos em segurança num sentido radicalmente distinto.

Finalmente, queríamos transmitir daqui no México, às companheiras que realizaram a ação, uma mensagem de força e resistência, queríamos dizer que não estão sozinhas e que eles não vão nos calar... porque se mexem com uma, mexem com todas.

AlíSomosTodas
México DF, 2 de abril de 2011.


Notas da tradutora:
1: Os gêneros das palavras, quando expressavam uma escolha política, foram mantidos na tradução para o português.
2: Trata-se do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP), grupo que não guarda qualquer interdependência com os MPLs de outros lugares, comportando-se, da mesma forma que qualquer outro coletivo do MPL, de forma autônoma e independente aos demais.
3: idem

quarta-feira, 6 de abril de 2011

"Escracho Público ao Machista Agressor". Ato de Feministas contra o Aumento



Por um mundo sem catracas e sem violência machista!


Estamos aqui hoje para falar de um assunto que tem nos afetado muito nesses meses de luta contra o aumento: a presença de um agressor de mulheres no centro das mobilizações.


Há cerca de 6 meses um dos militantes do movimento passe livre de São Paulo ameaçou de morte, perseguiu, constrangeu, agrediu verbalmente, insultou e limitou o espaço físico de uma companheira de movimentos sociais autônomos. Esse agressor tem que ser chamado pelo nome: ele se chama Xavier (Rafael Pacchiega).


Fazemos essa denúncia porque esse agressor continua frequentando os mesmos espaços políticos como se não houvesse acontecido nada ou como se aquilo que aconteceu não tivesse relevância política nenhuma. Que as agressões cometidas contra as mulheres sejam vistas como algo de pouca importância infelizmente não nos surpreende. Os movimentos sociais têm muita dificuldade de enfrentar coletivamente e publicamente as violências machistas que acontecem em seu meio. É estranho ver como as bocas daqueles que defendem todo o tempo que tudo é coletivo ou que assim deveria ser, ficam caladas nesse momento por um bizarro pudor. Insistem em tratar essas questões como algo menor diante das "lutas prioritárias" ou como algo pessoal que deve ser resolvido no âmbito privado. Privado nem pensar! As relações pessoais entre homens e mulheres são encarnações concretas do heteropatriarcado, uma estrutura historicamente desigual de opressão que é anterior à existência das catracas e do próprio capitalismo.


Um exemplo banal (ou nada banal) daquilo que estamos falando: por que se indignar diante de uma brutal repressão da polícia, mas silenciar e consequentemente acobertar a violência exercida contra as mulheres? A integridade dos corpos das mulheres não importam? Os corpos das mulheres têm menos valor que os outros? Ou só importam quando estão aglutinados na massa das lutas prioritárias e são invisibilizados na sua condição específica de mulheres?


Alguns podem pensar e dizer que nossa ação desvia a atenção do foco principal do movimento para coisas menos importantes, enfraquecendo a luta, que somos exageradamente radicais, que estamos "demonizando" alguém que cometeu um equívoco… Alguém vai chegar a dizer que somos loucas, histéricas e inclusive agressivas. A denúncia que estamos fazendo nesse momento é parte da reação ao abuso cometido e se constitui como uma ação direta de autodefesa feminista. Queremos denunciar a existência desse tipo de abuso e garantir que os movimentos sociais não sejam espaços de agressão, medo e opressão a nós mulheres e sim espaços de troca, de estabelecimento de relações de confiança, solidariedade e empoderamento de todas e todos nós. E isso deve ser uma tarefa assumida coletivamente. Entretanto, repetidas vezes, esses movimentos que se colocam como antagonistas de todas as opressões, se voltam contra aquel*s que denunciam a violência sem enfrentar efetivamente a discussão.


Não somos as primeiras e nem seremos as últimas a sermos violadas, agredidas, ameaçadas, silenciadas e invisibilizadas por militantes dos movimentos sociais. Mas também não somos as primeiras e não seremos as últimas a denunciar publicamente o acontecido. Estamos fartas de dividir espaços com misóginos que gostam de perseguir repetidamente as mulheres e depois livrar a cara dizendo que estavam surtados, com a ajuda cúmplice daquel*s que o defendem.


Nenhuma agressão ficará sem resposta.


http://www.youtube.com/watch?v=zvqBxEFJMy0&feature=related


http://feministascontraoaumento.noblogs.org