No 11º ato contra a tarifa em São Paulo, um grupo de meninas segurava uma flecha/placa apontanto para um homem, escrito "MACHISTA AGRESSOR" com uma foto do indivíduo. Esse homem é participante do MPL São Paulo e faz seis meses agrediu verbalmente, ameaçou e destruiu a casa de ex-sua companheira, que também participava do MPL SP naquela altura. A questão foi colocada a público pela garota durante a reunião do MPL e o rapaz disse que admitia o erro e que entraria em acompanhamento médico, o que de fato aconteceu. Porém, mesmo assim - e por razões lógicas, diga-se de passagem - a garota resolveu afastar-se do coletivo. Agora, nesse fim de março, o Coletivo Feminista Autônomo Contra o Aumento, organizou-se acerca dessa questão e realizou uma ação direta contra o agressor: o escracho público.
Muitas opiniões surgiram quanto ao ocorrido no ato. Muitas pessoas e grupos aprovaram a ação e muitos foram contra. Os que são a favor acreditam que essa é uma maneira de auto-defesa e de trazer à público essa questão da violência contra a mulher que também acontece dentro de organizações de esquerda. Os que são contra dizem que foi vingança pessoal, que isso deveria ser resolvido dentro do MPL SP, e que essa atitude somente dissemina a violência, já que ela é violenta da mesma forma.
O que acontece agora, de um modo geral, é que ninguém mais fala da agressão, do sofrimento da mulher, dos traumas que lhe foram impostos, mas sim da ação em si e dos traumas sofridos pelo homem agressor por conta da humilhação pública.
O CAF - Coletivo de Ação Feminista - ainda está discutindo sobre a questão, mas, de ante-mão, podemos dizer que apoiamos a atitude das companheiras.
Abaixo segue a tradução da Carta do coletivo AlíSomosTodas, do México, em solidariedade às meninas do Coletivo Femista Autônomo Contra o Aumento.
CARTA EM SOLIDARIEDADE À “REDE DE COLETIVAS FEMINISTAS AUTÔNOMAS CONTRA O AUMENTO” DE SÃO PAULO, BRASIL¹
Nós, da coletiva feminista autônoma AlíSomosTodas, expressamos nossa irmandade e total apoio à ação feminista de protesto realizada durante um ato do Movimento Passe Livre² na cidade brasileira de São Paulo, na quarta-feira passada (30.03.2011), que denunciou publicamente o agressor machista Rafael Pacchiega, o Xavier, pertencente ao mesmo movimento.
Estendemos a denúncia à postura do CMI (indymedia-brasil) de silenciar a voz das mulheres indignadas e à todas as pessoas que de alguma maneira assumiram uma cumplicidade com o agressor, incluindo aquelas que questionaram o aspecto da denúncia pública da ação, que com a desculpa de proteger o movimento, escondem a justificação de agressões. A cumplicidade pode não ser declarada, mas se expressa, por exemplo, quando se questiona a ação da denúncia e não a do agressor. Nos impressiona muitíssimo que as “julgadas” continuam sendo as que erguem a voz, as que finalmente fizeram algo... que romperam o silêncio.
Não podemos aceitar nenhuma forma de agressão à nossa volta, muito menos da comunidade ou movimento potílicxs, onde depositamos nossas energias e desejos profundos de transformar o mundo destruindo todas as formas articuladas de opressão. O silêncio é a forma mais perversa de aceitação da violência sexista, é o mecanismo que lhe permite continuar reproduzindo o sistema patriarcal impunemente. Impunidade para nós significa ausência de processos de responsabilização, e se acreditamos na autonomia e suspeitamos profundamente que a intervenção do Estado (e do capital) em nossas vidas, nos parece óbvio que temos que inventar maneiras de justiça além do Estado (patriarcal e sexista desde suas raízes, além de racista, classista, especista...). Esconder e silenciar as agressões, portanto, significa proteger o agressor e conservar o sistema reprodutor da violência.
Nossa coletiva nasceu com o assassinato de uma companheira feminista muito querida Alí Cuevas. Seu companheiro, Oswaldo Morgan, lhe deu 26 punhaladas no dia em que ela completaria 24 anos. Nós nomeamos o assassinato como feminicídio para denunciar a lógica patriarcal por trás da morte de Alí e de tantas outras mulheres assassinadas por seus companheiros. Ou ex-companheiros amorosos. Insistimos que o feminicídio e a violência sexista cotidiana são reflexos políticos, nem particulares nem excepcionais, porque é a forma pela qual são punidas as mulheres que de alguma maneira resistem à obediência que lhes espera. À nossas ações de denúncias, também consideraram exageradas, anti-estratégicas e agressivas.
Para nós, a ação direta realizada durante o ato do “Movimento Passe Livre”³ tem uma importância histórica e um significado de justiça feminista que converge com outras ações feministas diretas contra a violência sexista-patriarcal que estão sendo realizadas em todo o mundo. E ainda que nos chamem de “loucas”, “exageradas”, “histéricas”, “anti-estratégicas”, “sectaristas”... e tantos outros nomes para deslegitimar nossas vozes que parecem tirar do foco da reponsabilização do agressor... acreditamos que a denúncia pública e a sinalização dos agressores constitui uma ferramenta indispensável no exercício da justiça autônoma e de autodefesa feminista. Por mais que continuem nos agredindo, vamos continuar denunciando, além de cuidarmos, protegermos e pensarmos em segurança num sentido radicalmente distinto.
Finalmente, queríamos transmitir daqui no México, às companheiras que realizaram a ação, uma mensagem de força e resistência, queríamos dizer que não estão sozinhas e que eles não vão nos calar... porque se mexem com uma, mexem com todas.
AlíSomosTodas
México DF, 2 de abril de 2011.
Notas da tradutora:
1: Os gêneros das palavras, quando expressavam uma escolha política, foram mantidos na tradução para o português.
2: Trata-se do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP), grupo que não guarda qualquer interdependência com os MPLs de outros lugares, comportando-se, da mesma forma que qualquer outro coletivo do MPL, de forma autônoma e independente aos demais.
3: idem