terça-feira, 15 de setembro de 2009

Do sentimento de incapacidade e da capacidade


Sempre fui muito insegura e o sentimento de incapacidade faz parte da minha vida, não busco aqui explicações para tais sentimentos, neste momento só posso afirmar que eles são presentes e estavam ali quando eu fazia ou deixava de fazer algo. Em contraposição a isto sempre senti a necessidade de escrever, informar, de lutar por aquilo que acredito e assim acabei me envolvendo em vários grupos, todos direcionados a libertação animal e a grande maioria denominado libertário.

Muito aprendi nesses grupos, principalmente na questão estrutural, mas em contrapartida o sentimento de insegurança aumentava cada vez mais. Era frequente em rodinhas de conversas ou até mesmo em grupos de estudos o debate de temas dos quais eu nunca tinha estudado. As pessoas quando percebiam que eu estava perdida me questionavam "poxa, mas você não sabe isso?". Outra situação constatada é que grande parte das mulheres participantes dos grupos ou estavam ali acompanhando seu companheiros ou eram dominadas por eles. Dominação esta que ficava explicita quando tais mulheres precisavam da aceitação dos seus parceiros para falar e agir dentro dos grupos e da constante pressão de ser utilizada determinada postura que fosse mais conveniente ao companheiro. Quando se posicionavam distintamente ao esperado eram ridicularizadas e deixadas de lado, como não sendo mais útil ao coletivo.

Em um primeiro momento decidi sair dos grupos que fazia parte e me conveci de que realmente era incapaz, após quase um ano afastada, sentindo um vazio imenso e pensando porque as pessoas adotavam tais posturas cheguei a uma conclusão: muitas pessoas não estavam ali pela causa e sim pelo "fetiche" de ser um líder militante, utilizando da dominação, através de desqualificação pessoal e de genero, para manter tal liderança, sistema idêntico ao sistema utilizado pelo patriarcado.

Decidi que não iria me deixar oprimir mas nunca tinha forças suficientes para deixar de ser oprimida, isso porque estava inserida no meio libertário, neste momento pensei em todas as mulheres que são oprimidas rotineiramente e nos efeitos de tal opressão. Percebi o quanto o feminismo é necessário e decidi ir a luta, ainda tenho o sentimento de insegurança e incapacidade mas a cada dia aprendo mais sobre a história de nós mulheres, dos movimentos feministas, de como nos organizarmos para a real libertação da mulher, assim como aprendo com os relatos de companheiras que tem os mesmos sentimentos que eu e a cada dia me sinto mais segura e capaz de promover esta mudança.

Este é um relato pessoal (desabafo) que não expressa a opinião do Coletivo como um todo.

Segue um texto retirado do blog http://feminismoevegetarianismo.blogspot.com/ :

Não é de agora que muitos movimentos vegetarianos vem empreendendo uma verdadeira ‘caça às bruxas’ às mulheres. Ainda é objeto de estudo e intriga a prevalecente misoginia e perseguição dos temas de suas intervenções e eleições retóricas. Algumas organizações já conhecidas e denunciadas são o PETA, que como bem expressou a ativista norte-americana Nikki Craft, uma das pioneiras na denúncia, ‘Apenas mulheres são tratadas como carne’. Na organização referida, mulheres são bem vindas contanto que tirem a roupa para promover a sigla que fatura bilhões com a causa apelativa dos bichinhos. Mulheres também são publicizadas em suas campanhas sendo espancadas portando casacos de pele. O cenário que mostram dá a entender que mulheres e sua ‘odiosa futilidade natural’ são o sustentáculo maior da opressão sobre animais nos planetas. Claro que a indústria da moda e do couro são esquecidas nessas horas: seria demais pôr o Capitalismo mundial e sua verdadeira chefia (Patriarcado e classe de homens em suas formas atuais) abaixo: são preteríveis as causas mais distrativas e populares – como o ódio a mulher, que tanto solidariza pessoas ao redor do mundo.

Não bastando, no Brasil, no último 8 de março em São Paulo, junto aos partidos políticos, homens veganos invadem a manifestação de mulheres distribuindo panfletos de causa animal, sendo esta data uma das únicas onde mulheres podem ter alguma visibilidade para suas próprias causas.

Caça às bruxas
Num dos panfletos distribuídos, intitulado ‘Libertação: de gênero e de espécie’A Vegan Staff diz basicamente que todas as mulheres não-vegetarianas ou vegans são comodistas, incoerentes, negligentes, limitadas e hipócritas (‘Muitas militantes feministas negligenciam a causa da libertação animal não humana, seja por comodismo, incoerência ideológica, ou ignorância. E erroneamente, insistem em consumir ingredientes de origem animal, assim como a sustentar empresas que fazem testes em animais’). A organização que até esta data não se comprometeu com nenhum trabalho feminista sério acusa feministas, questiona credibilidade da sua causa e impõe a mulheres, especialmente grupos sem poder como feministas e negras, seu recorte político amesquinhado, exigindo adoção de um paradigma pobre e masculino e ao mesmo regulando condutas de mulheres, exigindo 'coerência'.

Já sabemos como movimento feminista sofre perseguição é segue sendo queimado nas fogueiras inquisitoriais até hoje.

Ao invés de oferecerem subsídios úteis para a compreensão e combate ao paradigma masculino, o representam e o protegem quando dizem a mulheres o que devem ou não fazer, valendo-se de tom autoritário e coercitivo tipicamente supremacistas masculinos (“ou continuarão hipócritas,” “Portanto, torne-se vegetariana, negue...ou...”). De um lugar muito favorável e confortável (privilégio masculino e não sofrer os prejuízos da opressão no acesso a recursos de compreensão, voz, reconhecimento de liderança e idiossincrasias próprias) exercem-se como juízes das mulheres, avaliando negativamente movimento de mulheres, condenando e pressionado, exigindo posturas que lhes convenham, coisas que Patriarcado há séculos tradicionalmente faz.

Destituídos de contexto histórico e social culpabilizam mulheres acusando-as de “sustentar” empresas especistas com suas “insistências errôneas”, quando é o trabalho explorado de mulheres trabalhadoras que sustenta tais empresas. Clamam por um consenso sobre o que fazer com animais, quando não há sequer um nesta sociedade de que mulheres são seres humanos.

Apropriam-se de forma hipócrita de discursos e produções teóricas feministas para manipular mulheres a seus próprios propósitos, uma violência típica (opressor não pode falar por oprimido) quando sabemos que a organização e os movimentos veganos em geral compõem-se de uma maioria masculina (ou ao menos, sua direção inquestionavelmente o é).

Instrumentalizar saberes feministas é um ataque a autonomia das mulheres, constitui-se em um roubo da fala e espaço que segue nos silenciando. Homens não podem falar pela nossa experiência. Eles não a vivem, não estão autorizados. Conseqüentemente, soa ditatorial e inquisitório, senão subestimador (algo como ‘elas não podem levar sua luta por si próprias, precisam ser ensinadas, o que é feminismo e ser coerente politicamente’).

Diz o que devemos fazer ou não (‘...não há como feministas contra-argumentarem ou negligenciarem a libertação animal’).

Subtendende-se pelo tom disciplinário de suas advogações uma misoginia implícita que intenta corrigir mulheres que, ‘desobedientemente’, comem carne ou derivados.

Naturalizam o Patriarcado, esbarrando sempre em posturas essencialistas, dicotomizando e reificando naturezas ‘homem’ e ‘mulher’, reproduzindo dualismos classicamente misóginos onde o patriarcado representa o pólo agressivo e racional e o Matriarcado pacifista e dócil, preparadas para receber ordens e abdicar de suas subjetividades por uma causa comum (‘regime matriarcal era comunitário’, natureza feminina é solidária). Infere-se aí quase um ‘manual de boa conduta’ do que seria representar uma mulher/feminilidade ideal (agora, reformada e politizada, requerindo a esposa perfeita do homem esclarescido e justiceiro vegano). Mulheres devem ser boas, solidárias e sempre de pernas abertas a suas causas. A punição, ameaçam, é o vexame público. ('ou continuarão hipócritas').

O veganismo não vai libertar as mulheres.
O feminismo não deve nada a ninguém, exceto seu sujeito político, as mulheres, jamais contemplado na História escrita pelos grandes machos. Não necessita de leitura anti-especista ou mesmo anti-capital para ser legitimado e sequer as diversas condições das mulheres pelo mundo averiguadas para serem levada a sério e ter espaço para sua voz, para que o que nos tenham a dizer seja importante e significativo por si só.

Vegan Staff, homens anarquistas, homens libertários, homens pró-feministas e maridos esquerdistas, homens em geral: Vocês não podem falar pelo homossexuais, negros e mulheres. E pelo visto nem pelos animais.

O sujeito do feminismo são as mulheres e somente estas podem elaborar e que termos levar suas lutas de forma individual e coletiva, suas necessidades imperativas e como sentem questões de opressão, inclusive dentro de movimentos comunitários, políticos e sociais e então, dentro do movimento dos direitos animais em que garotas estejam, reféns de um histórico e maioria notadamente masculinista e heterosexual, quando estes últimos mesmos não atuam em conjunto com as facínoras ideologias e instituições sociais pró-vidas que seguem matando mulheres ao dificultar sua luta por direitos sexuais e reprodutivos, acesso a aborto legal, público e gratuito.

Não demande que levemos sua alienação classe-média-branca-higienista-conservadora-moralizante a sério.

Somente nós poderemos elaborar os termos de nossa própria Libertação e Humanização.

Somente nós poderemos considerar quão veganismo ajudará neste processo, quando a divisão de alimentos no planeta tradicionalmente privilegia homens (fazendo com que em muitos países, vegetarianismo seja justamente compulsório à mulheres já que carne é privilégio econômico e simbolicamente instituído como masculino, mais ou menos como por aqui onde garotas morrem por anorexia e regimes alimentares que patriarcalmente instituídos visam debilitar saúde da mulher que, independente de constarem carne ou não, seguem nas matando, principalmente às pobres e negras).

Abaixo o constrangimento oral de mulheres por homens
Sim ao vegetarianismo considerado em nossos próprios termos. Sim a educação alimentar não misógina que fortaleça mulheres a continuarem suas lutas e disporem de qualidade de vida , que depende não somente de boa alimentação e acesso a meios de saúde e contracepção, mas também na extinção da heterosexualidade compulsória, pornografia e outros regimes masculinos de risco que tornam sua vida um estado constante de medo, estresse e comedimento.

Sim ao estudo mais sério do vegetarianismo e sua conveniência à causa das mulheres.

Sim à ciência das mulheres.

Não a tradicional disposição de nossos ouvidos, corpos e vontades aos homens detentoresda verdade.

Mulheres, antes de qualquer coisa: acreditem em vocês mesmas.

3 comentários:

  1. inspirador, querida. me dá mais vontade de continuar nessa com vocês :)

    não sabia dessa 'intervenção' (palhaçada) da VeganStaff no 8 de março. Alguém sabe se chegaram a conversar com os integrantes a respeito disso?

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Estou orgulhosaaa XD achei muito lindo. Eu acho muito incrível e forte relatos pessoais no movimento de libertação das mulheres. São os que realmente incendeiam a nos movimentarmos, além de gerarem solidariedade.

    Temos que nos expressar e denunciar, erguer nossa voz.


    A Jo Freeman mesmo escreveu um artigo parecido, porque ela sofreu isolamento e inibição - pasmem - no próprio movimento de mulheres: 'TRASHING: The Dark Side of Sisterhood '
    http://www.feministezine.com/feminist/modern/Trashing-Darkside-of-Sisterhood.html

    e tem algo no texto 'Consciousness-Raising:
    A Radical Weapon' que acho importante:

    "At the next meeting there was an argument in the group about how to do this. One woman -- Peggy Dobbins -- said that what she wanted to do was make a very intensive study of all the literature on the question of whether there really were any biological differences between men and women. I found myself angered by that idea.

    "I think it would be a waste of time," I said. "For every scientific study we quote, the opposition can find their scientific studies to quote. Besides, the question is what we want to be, what we think we are, not what some authorities in the name of science are arguing over what we are. It is scientifically impossible to tell what the biological differences are between men and women -- if there are any besides the obvious physical ones -- until all the social and political factors applying to men and women are equal. Everything we have to know, have to prove, we can get from the realities of our own lives. For instance, on the subject of women's intelligence. We know from our own experience that women play dumb for men because, if we're too smart, men won't like us. I know, because I've done it. We've all done it. Therefore, we can simply deduce that women are smarter than men are aware of, and that there are a lot of women around who are a lot smarter than they look and smarter than anybody but themsleves and maybe a few of their friends know."
    http://scriptorium.lib.duke.edu/wlm/fem/sarachild.html

    abraços

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